sábado, 1 de dezembro de 2007

Em guerra I

As finanças chamaram-no lá. Tinha recebido a carta há dois dias. Os músculos contraíram-se, nesse momento, e não reagiram mais. O andar ficou perro. O sono doloroso. As manhãs cansativas e as tardes longas.
Subiu o degrau e sentiu o frio das paredes. As caras aflitas. Os rostos fechados. Não se ouve nada. Ninguém fala. Olham uns para os outros, com desconfiança e medo. Só se ouvem os funcionários a dizer que "agora tem de...", "não posso fazer nada..." e "o senhor não recebeu as nossas cartas?". Tudo isto em muito bom som. As pessoas curvadas. Sussurrando as respostas. Aflitas. Envergonhadas.
Mais um cigarro. Na rua. Olhou a sua vez. Não podia perder a sua vez. Controlou-a desmesuradamente. Obsessivamente. Enquanto fumava o cigarro.
Chegou a sua vez. Chegou a sua vez. Chegou a sua vez. Ar despachado. Dinâmico. Tenso.
"Vamos despachar isto", tentava dizer.
Compasso de espera. O funcionário ao computador. Espera. Espera. "O que estará ali?". Espera. Mil imagens. Espera. Mil cenários. Espera. Cada um mais doloroso que o outro. Espera.

Músculos. Balbucia timidamente qualquer coisa.
O funcionário transfere o olhar. Do computador para ele.
-Temos um problema. - diz, com um ar de gravidade.
Fugiu-lhe o chão. Abandonou-se por instantes.
O funcionário continuou. Deliciadamente:
- Existe um défice de sorriso, no seu processo.
Fugiu-lhe o chão. Abandonou-se por instantes. Olhou de frente. Reconheceu. Aceitou. E sorriu.

MH